FORÇA-TAREFA NA AMAZÔNIA

 

Evandro Éboli e Bernardo de la Peña

O Globo

15/2/2005

 

Missionária americana denunciou as ameaças de morte em carta à polícia

Pressionado pela repercussão do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, o governo federal decidiu que vai reforçar o combate à grilagem de terra no Pará e recuperar para a União as áreas que foram tomadas por proprietários ilegais ao longo das últimas décadas. O anúncio do envio de uma força-tarefa para a região será feito hoje após reunião entre oito ministros no Palácio do Planalto. O governo vai aumentar o contingente de agentes da Polícia Federal que atuam na área, ampliar o número de fiscais do Incra e do Ibama e colocar até mesmo o Exército para ajudar nas ações de regularização das terras.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o governo vai ampliar de seis para 19 as suas bases avançadas na Amazônia. Mais 90 fiscais do Incra serão deslocados para a região nos próximos dias. A Polícia Federal deverá atuar com sete equipes na região, cada equipe formada por um delegado, um escrivão e dois agentes. A PF dará cobertura às ações dos outros órgãos, que fiscalizarão o título de posse dos fazendeiros e vão punir a exploração predatória do meio ambiente.

Marina explicou que o Exército, que já tem convênio de parceria com o Ministério de Meio Ambiente, terá aeronaves na região. A ministra afirmou que o governo continuará fiscalizando os madeireiros, que terão que comprovar ser proprietários legais das terras.

A ação do governo atende a uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo na Venezuela, Lula se mantém informado.

— Quero que o governo reaja rapidamente e com força. Não quero que uma coisa como essa se repita — disse o presidente ao saber do assassinato no sábado à tarde.

Ministros se reúnem com governador

Segundo auxiliares, Lula ficou muito chateado com o crime, especialmente porque havia conhecido Dorothy Stang durante uma das caravanas da cidadania. Foi por determinação do presidente que os ministros Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e Marina Silva (Meio Ambiente) foram para a região no fim de semana.

A reunião de hoje será coordenada pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu, e terá a participação dos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Ciro Gomes (Integração Nacional), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Marina Silva, Jorge Félix (Segurança Institucional), Luiz Gushiken (Comunicação), Nilmário Miranda e José Alencar (Defesa). Às 11h, os ministros reúnem-se com o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), e irão cobrar dele empenho no combate à grilagem de terra. A orientação de Lula é para que o governo atue de forma ofensiva:

— O governo entendeu que esse tipo de assassinato não pode deter nossa ação. O governo tem feito uma ofensiva na região e o pior que poderia ocorrer é a gente se intimidar — afirmou um assessor do presidente.

Marina afirmou ontem que o governo não irá recuar um milímetro na disposição de regulamentar a exploração de terra pública e que o objetivo é fixar a presença do Estado no Pará:

— A verdade é que há uma ausência de um século do Estado na Amazônia. O governo está fazendo um esforço jamais visto e levando, pela primeira vez, essa discussão para dentro do Palácio do Planalto.

Uma portaria baixada pelo Incra no fim do ano passado obriga os donos de terra a se recadastrarem. A medida gerou dura reação dos madeireiros, que há dez dias tentaram, sem sucesso, derrubar a decisão do governo.

— A portaria é fundamental para o trabalho de fiscalização. Graças a ela, cerca de dez mil propriedades tiveram seus títulos suspensos. Os ocupantes de boa-fé das terras não terão problemas, mas quem estiver ilegal terá problemas. Ou vão para a legalidade ou para a cadeia — disse a ministra.

Caso é destaque na imprensa internacional

O Pará é uma região que, segundo ambientalistas e ativistas de direitos humanos, vive uma “crescente anarquia”, de acordo com o jornal americano “Los Angeles Times”, um dos muitos órgãos de imprensa que, mundo afora, registraram e repercutiram o assassinato da freira americana Dorothy Stang.

A notícia da morte foi publicada na primeira página da edição de ontem do “New York Times”. A reportagem, que mereceu página inteira na seção internacional, observou que a freira “tinha relações tensas com a polícia local, que via nela uma agitadora social”, detida certa vez “sob a suspeita de incitar violência e fornecer armas a grupos camponeses”. Assim, afirma a reportagem, ela não podia contar com a proteção da polícia. O “New York Times” descreveu o assassinato da irmã Dorothy como um desafio às autoridades. Também a edição internacional do “Miami Herald” publicou a notícia em sua primeira página ontem.

O jornal britânico “The Independent” afirmou que o assassinato “lançou luz novamente sobre o fracasso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acabar com extração ilegal de madeira”. O jornal chamou Dorothy Stang de mártir e da Amazônia afirmou que o assassinato ressalta um problema para o governo: “Equilibrar um desejo de proteger a floresta tropical com a pressão para abrir trechos da floresta para apoiar um crescimento econômico forte, tal como exigido pelo Fundo Monetário Nacional”.